terça-feira, 23 de outubro de 2012

Diário de um evangelista - parte 1

Foto: Lucas Filho


Era tarde de sábado do dia 20 de outubro de 2012 quando cheguei na igreja que congrego para realizar a minha primeira caminhada de evangelização. E entre a euforia de saber como seria e a incerteza do que esperar neste dia, me entreguei de corpo e alma às surpresas e desilusões deste momento.

Nos reunimos no pátio da igreja para orarmos a Deus e pedir proteção para a nossa caminhada. O tema de nossa oração poderia se resumir em Mateus 11:28-30.
"Vinde a mim, todos os que estai cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo e leve."

O Jugo

Jugo significa a canga com que se jungem os bois para puxarem o arado ou o carro. Junta de bois. Jesus quando falou estas palavras estava dizendo que, em nossa caminhada, Ele estará conosco, pois o jugo faz com que "os bois" fiquem perto um do outro, lado a lado, seguindo no mesmo caminho.

Esta mensagem então foi para que, ao irmos evangelizar, sempre ficássemos próximos um do outro. E desde a nossa saída da igreja assim fizemos.



O olhar do mundo

 

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Saímos então os seis que ficaram com a missão de ir evangelizar em um bairro próximo a nossa igreja. E o que eu pude notar, era o olhar das pessoas vendo aqueles cinco homens e uma mulher com suas bíblias nas mãos ora conversando, ora louvando discretamente pelas ruas que passavam.

Nos bares, muitos paravam e até colocavam os copos nas mesas quando nos aproximavam. Algumas vezes saudamos as pessoas com um cordial boa tarde que dificilmente não era respondido. Fiquei então imaginando: As pessoas responderiam de qualquer forma, ou por verem as nossas bíblias nas mãos é que causava um certo respeito?

Entre um sorriso e outro, caminhávamos entregando pequenos panfletos com mensagens sobre Deus. Algumas vezes, as pessoas recebiam com certo desdém já muitos sorriam e até pareciam esperar para ouvir uma mensagem, mas continuávamos nossa caminhada - que neste ponto ainda não sabia o que nos aguardava.


As casas

 

Foto de exemplo - FreePik
O bairro que fomos para evangelizar é o de nome Barroso. Este fica em uma das faces do antigo aterro sanitário de Fortaleza. A comunidade que fizemos a nossa principal parada moram em casas em condições muito precárias tanto em suas estruturas físicas como em saneamento básico. Fixadas com pregos os pedaços de madeira dão as casas uma imagem de total abandono.

Eu não poderia deixar também de destacar que pude ver muitas casas sendo construídas pela prefeitura em um grande conjunto habitacional nas proximidades. Basta agora saber se depois das brigas eleitoreiras a população vai poder desfrutar de um pouco de dignidade.



Vinde a mim a crianças 

 

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Assim que chegamos, se aproximaram de mim algumas crianças. Lembrei de meu filho Rafael e de como eu muitas vezes não sento para brincar com ele. Então resolvi me sentar ali próximo a elas. Eles cantaram músicas da escola na qual um leão devorava uma minhoca.

Próximos a nós, um dos pais de uma das crianças trazia consigo uma Bíblia entregue por um dos irmãos que já estavam evangelizando em algumas portas das casas. Pude notar a felicidade dele ao dizer para a esposa que se aproximava, que "um irmão tinha dado para ele de presente uma Bíblia." A mesma, com um olhar indiferente para a cena e para o presente, não esboçou nenhuma reação. Até entendo o lado dela.

Entre as crianças uma me chamou a atenção por levar em seu bolso a sua escova de dentes que estava até nova. Reparei que ele começo a brincar com outro amiguinho e os dois rolavam no chão, entre arei, mato, e tudo mais o que se pode encontrar sobre um aterro desativado. Falei para ele ter cuidado com a escova dele, e ele em sua inocência me respondeu: "É só passar uma 'aguinha' em casa."


Podem falar sobre a Palavra de Deus

 

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Caminhando pela comunidade, nos deparamos com um grupo de aproximadamente dez jovens que estavam "jogando conversa fora". Sentados no chão enquanto um destes pregava as madeiras de um barraco, este nos viu passando e disse: "É de Deus? Podem falar sobre a Palavra de Deus!" Paramos e começamos a conversar com eles. Isto me deixou com um questionamento na mente durante todo o tempo que ficamos com eles:
Mesmo naquelas condições, eles não se importavam em ouvir a Palavra de Deus. Enquanto outros, que tem praticamente tudo, torcem o nariz, cobrem os ouvidos ou fogem quando alguém se aproxima com uma Bíblia nas mãos. Pensei então se a ideia ateísta chegasse com força a estas pessoas. Se elas acreditassem que Deus não existe, o que seria dos seus sonhos? Será que seria justo acabar com a última coisa em que eles acreditam?

Um versículo não lido, e sim ditado

 

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Um dos irmãos então pediu para ler uns versículos para os que por lá estavam. Me perdoem pois não lembro aqui de qual versículo se tratava, pois neste momento comecei a sentir o meu corpo tremer. As lágrimas já apontavam em meus olhos e o que me lembro é que o versículo se tratava de amor.

Quando o irmão leu que livro e capítulo iria ler, ao meu lado estava um dos jovens que sem demora, ditou todos os versículos sobre o tema escolhido. Fiquei muito surpreso ao ver que aquele jovem sabia mais do que eu mesmo, que ainda tenho dificuldade até de achar "um livro" da Bíblia quando solicitado. Ao mesmo tempo fiquei triste, pois, sabendo ele sobre a Palavra de Deus, a mesma parecia não impedi-lo de estar em tal lugar.


Um abraço vale mais que mil palavras

 

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Voltei o meu olhar para um jovem de boa aparência. Sem camisa, este estava mais afastado de todos nós. Olhava para os seus olhos e via o quanto aquela leitura parecia chegar até ele de forma diferente dos demais.

E por como um impulso, tomei a frente e disse:
Pode até parecer estranho, mas é a primeira vez que faço isso, de sair par evangelizar. Não me levam a mal, mas eu gostaria de saber se que posso lhe abraçar?

Apontei então para o jovem que estava sentado. E sobre o olhar de todos recebi o consentimento de me aproximar. Ele se levantou e nos abraçamos. Quando o abracei me veio duas coisas em minha cabeça: A primeira foi perguntar se ele tinha uma filha, e ele me respondei que não. Então comentei que ele queria muito sair dali. Me confirmou com um sim balançando a sua cabeça. Então olhei para ele e disse que ele iria conseguir sair dali. O abracei novamente e me afastei para onde estava.


O convite

 

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Embora a nossa igreja ficasse um pouco distante da casa deles, convidamos a todos para irem aos nossos cultos. Ou que, se assim desejassem, procurassem uma igreja evangélica perto da casa deles para orar e pedir proteção a Deus.

Sugerimos também de levar alguns instrumentos e fazer por lá mesmo um mini-culto outro dia. Esta ideia me pareceu bem recebida por eles, logo porque sabemos o quanto é difícil para as pessoas que se encontram naquelas condições irem até uma igreja. Quem sabe isto ocorra em breve.


Eu orei a Deus

 

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Quando nos afastamos, um dos que conosco estava teve que se adiantar e nos deixar. Depois paramos um pouco e começamos a conversar sobre o que tínhamos achado de tudo aquilo. E para a minha grande felicidade e surpresa o rapaz que abracei, tinha conversado com outro irmão e falou que, na noite anterior, tinha falado para a sua mãe que iria deixar tudo aquilo, que iria sair de lá. Falou também que tinha orado a Deus e que tinha desejo de sair de lá, perguntando a Deus se ele iria conseguir isto. Ou seja, na noite anterior uma pergunta para Deus, no dia seguinte aparecemos e falamos sobre ele sair de lá. Coincidência? Acredito que não!


Um mundo melhor

De volta para a igreja, ficamos contando as nossas experiências de vida e o que poderíamos fazer para ajudar aquela comunidade. Pensamos em muitas coisas como encher o ônibus de irmãos e irmos até lá com facões e inchadas e limparmos o mato que cresce nas proximidades das casas. Quem sabe também retirar o lixo e ensinar aos moradores de lá noções de meio-ambiente.

Pensamos também em conseguir tintas e pincéis e irmos para lá pintarmos os barracos e quem sabe assim, tirar um pouco do cinza que predomina na comunidade. A cor cinja é tanto nas casas como no morro que elas estão, já que o morro na verdade é o resto de lixo do aterro desativado.


A lição que fica

Não é porque as pessoas estão em dificuldades que não querem saber de Deus. Pude observar que por mais difícil que seja morar por ali, nenhum deles pareceu estar revoltado com Deus. Muito pelo contrário, todos pareciam querer ouvir algo que os confortasse. Fico então a pensar de pessoas que vão a igreja apenas para pedir bençãos materiais e ainda por cima somente para elas. Quando será que vamos deixar de pedir coisas que, com o nosso trabalho, podemos conseguir e começar a pedir a Deus mais amor pelas outras pessoas? Quando vamos viver o verdadeiro evangelho onde o "amar uns aos outros como eu vos amei" seja não só um versículo, mas tratar este como o maior dos mandamentos?

Falamos como os jovens em seus sapatos novos e de marcas dificilmente aceitariam ir até um aterro para juntar o lixo, ou até mesmo só passear evangelizando. Pensei nos pais que deveriam vir com os seus filhos para mostrar a eles a realidade da vida sem vaidades e mostrar aos próprios pais que amor não se compra, pois vi o carinho de alguns pais para com o seus filhos e vice-versa.

Ao chegar em casa quando tomava banho, eu sentia a água escorrer pelo meu corpo e chorava por sentir como se este fosse um banho depois de meses sem saber o que é um chuveiro. Sentia cada fio de água que me cobria. O sabonete nunca foi tão cheiroso, ficar na cama com minha esposa e meu filho foi uma sensação que há muito não sentia tanto prazer.

Foi sem sombra de dúvidas muito gratificante e convido a todos os "verdadeiros evangélicos" a seu unir em nossa próxima caminhada.


Obs: Preservamos os nomes das pessoas que encontramos na evangelização e dos irmãos pelo fato de que o único nome que deve ser lembrado é apenas este: Deus.

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